Baruch Espinoza
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Benedito de Espinosa
ברוך שפינוזה
Nacionalidade holandesa
Ocupação artesão, filósofo
Assinatura
Índice
Recebeu dos pais portugueses o nome de Benedito de Espinosa. Assinou Baruch em vários trabalhos, pela condição de judeu nascido e criado em
Amsterdão. Adotou Benedictus, a forma correspondente latina, para assinar a sua
Ethica, depois do
chérem em seu nome, em 1656.
[2]
A sua família fugiu da
Inquisição de Portugal. Foi um profundo estudioso da
Bíblia, do
Talmude e de obras de judeus como
Maimónides,
Ben Gherson,
Ibn Ezra,
Hasdai Crescas,
Ibn Gabirol,
Moisés de Córdoba e outros. Também se dedicou ao estudo de
Sócrates,
Platão,
Aristóteles,
Demócrito,
Epicuro,
Lucrécio e
Giordano Bruno. Ganhou fama pelas suas posições opostas à
superstição: a sua frase Deus sive natura, "Deus, ou seja, a Natureza" é um conceito
filosófico, e não
religioso. Notabilizou-se também por ter escrito sua
ética na forma de
postulado e
definições, como se fosse um
tratado de
geometria.
“ Os Senhores do Mahamad [Conselho da Sinagoga] fazem saber a Vosmecês: como há dias que tendo notícia das más opiniões e obras de Baruch de Spinoza procuraram, por diferentes caminhos e promessas, retirá-lo de seus maus caminhos, e não podendo remediá-lo, antes pelo contrário, tendo cada dia maiores notícias das horrendas
heresias que cometia e ensinava, e das monstruosas ações que praticava, tendo disto muitas testemunhas fidedignas que deporão e testemunharão tudo em presença do dito Spinoza, coisas de que ele ficou convencido, o qual tudo examinado em presença dos senhores Hahamim [conselheiros], deliberaram com seu parecer que o dito Spinoza seja heremizado [excluído] e afastado da nação de Israel como de fato o heremizaram com o Herem [anátema] seguinte:
"Com a sentença dos Anjos e dos Santos, com o consentimento do Deus Bendito e com o consentimento de toda esta Congregação, diante destes santos Livros, nós heremizamos, expulsamos, amaldiçoamos e esconjuramos Baruch de Spinoza [...] Maldito seja de dia e maldito seja de noite, maldito seja em seu deitar, maldito seja em seu levantar, maldito seja em seu sair, e maldito seja em seu entrar [...] E que
Adonai [Soberano Senhor] apague o seu nome de sob os céus, e que Adonai o afaste, para sua desgraça, de todas as
tribos de Israel, com todas as
maldições do
firmamento escritas no Livro desta Lei. E vós, os dedicados a Adonai, que Deus vos conserve todos vivos. Advertindo que ninguém lhe pode falar pela boca nem por escrito nem conceder-lhe nenhum favor, nem debaixo do mesmo teto estar com ele, nem a uma distância de menos de quatro
côvados, nem ler Papel algum feito ou escrito por ele." ”
Conforme
Will Durant, o
chérem de Espinoza pelos judeus de
Amsterdã (tal como ocorrera com as atitudes que levaram à retratação e posterior
suicídio de
Uriel da Costa em
1647) seria um gesto de "gratidão" por parte dos judeus para com o povo holandês. Embora os pensamentos de da Costa não fossem totalmente estranhos para o
judaísmo, contradiziam os pilares da crença cristã. Os judeus, perseguidos por toda a
Europa na época, especialmente pelos governos
ibéricos e pelos governos
luteranos alemães, haviam recebido abrigo, proteção e tolerância dos
protestantes de inspiração
calvinista dos
Países Baixos e, assim, não poderiam permitir, no seio de sua comunidade, um pensador tido como
herege.
Após o
chérem, adotou o primeiro nome "Benedictus" (termo
latino para "Bendito", isto é, uma
tradução do seu nome original, Benedito), assim atestando seu desvencilho da religião judaica.
Para sua subsistência, trabalhava com
polimento de
lentes durante os períodos em que viveu em casas de famílias em Outerdek (próximo a
Amsterdã) e em Rijnsburg, tendo recusado várias oportunidades e recompensas durante sua vida, em prestigiosas posições de ensino. Em 1670 mudou-se para a cidade da Haia, e desenvolveu suas principais obras. Convidado a lecionar na
Universidade de Heidelberg, recusou porque teria de acatar as normas ideológicas da universidade e seria impossível continuar com a sua obra de forma independente. Uma vez que as reações públicas ao seu Tratado Teológico-Político não lhe eram favoráveis, absteve-se de publicar seus trabalhos. A
Ética foi publicada após sua morte, na Opera Postuma editada por seus amigos.
Morreu em um domingo,
21 de fevereiro de
1677, aos 44 anos, vitimado pela
tuberculose. Morava então com a família Van den Spyck, na
Haia. A família havia ido à igreja e o deixara com o amigo doutor Meyer. Ao voltarem, encontraram-no morto. Encontra-se sepultado no pátio da Nieuwe Kerk, na
Haia, nos
Países Baixos.
[3]
Conforme Colerus, que o conheceu em
Rijnsburg, Espinoza "era baixo, feições regulares, pele cor de
oliva, cabelos pretos e crespos, sobrancelhas negras e bastas, denunciando claramente a ascendência de judeus Sefardim, ou
sefarditas (originalmente naturais da
Península Ibérica). No vestir era muito descuidado, a ponto de quase se confundir com os cidadãos da mais baixa classe".
[4]Estátua de Spinoza em Haia.
O
príncipe de Condé, na chefia do
exército da França que invadira a
Holanda, novamente convidou-o a aceitar uma pensão do rei da França e ser apresentado a vários admiradores. Spinoza, desta vez, aceitou a honraria, mas se viu em dificuldades ao retornar a Haia, por causa dessa suposta "
traição". Porém, logo o povo, ao perceber que se tratava de um filósofo, um inofensivo, se acalmou.
“ Maldição sobre o passante que insultar essa suave cabeça pensativa. Será punido como todas as almas vulgares são punidas — pela sua própria vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu
pedestal de
granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dirá em seu coração: Foi quem teve a mais profunda visão de Deus. ”
a) Publicados "post mortem":
Conteúdo:
Primeira parte: Deus.
Segunda parte: A natureza e a Origem da Mente.
Terceira parte: A Origem e a Natureza dos Afetos.
Quarta parte: A Servidão Humana ou a Força dos Afetos.
Quinta parte: A Potência do Intelecto ou a Liberdade Humana.
Escritos em holandês:
b) Publicados
Tratado sobre a Reforma do Entendimento (De Intellectus Emendatione) - Ensaio. Também publicado na língua portuguesa com os títulos: Tratado para Emendar o Intelecto (Editora Unicamp), Tratado da Reforma da Inteligência (Editora Martin Fontes), Tratado da Reforma do Entendimento (Editora Escala) e Tratado sobre a Correção do Intelecto (Acrópolis Filosofia), 1662.
Espinosa defendeu que
Deus e
Natureza eram dois nomes para a mesma realidade, a saber, a única
substância em que consiste o
universo e do qual todas as entidades menores constituem modalidades ou modificações. Ele afirmou que Deus sive Natura ("Deus ou Natureza" em
latim) era um ser de infinitos
atributos, entre os quais a
extensão (sob o conceito atual de
matéria) e o
pensamento eram apenas dois conhecidos por nós.
A sua visão da natureza da
realidade, então, fez tratar os mundos
físicos e
mentais como dois mundos diferentes ou submundos paralelos que nem se sobrepõem nem interagem mas coexistem em uma coisa só que é a substância. Esta formulação é uma solução muitas vezes considerada um tipo de
panteísmo e de
monismo, porém não por Espinosa, que era um racionalista e, por extensão, se teria um acompanhamento intelectual do Universo, como define ele em seu conceito de "Amor Intelectual de Deus".
Espinosa também propunha uma espécie de
determinismo, segundo o qual absolutamente tudo o que acontece ocorre através da operação da
necessidade, e nunca da
teleologia. Para ele, até mesmo o
comportamento humano seria totalmente determinado, sendo então a
liberdade a nossa capacidade de saber que somos determinados e compreender por que
agimos como agimos. Deste modo, a liberdade para Espinosa não é a possibilidade de dizer "não" àquilo que nos acontece, mas sim a possibilidade de dizer "sim" e compreender completamente porque as coisas deverão acontecer de determinada maneira.
[6]
A
filosofia de Espinosa tem muito em comum com o
estoicismo, mas difere muito dos estoicos num aspecto importante: ele rejeitou fortemente a afirmação de que a
razão pode dominar a
emoção. Pelo contrário, defendeu que uma emoção pode ser ultrapassada apenas por uma emoção maior. A distinção crucial era, para ele, entre as emoções activas e passivas, sendo as primeiras aquelas que são compreendidas racionalmente e as outras as que não o são.
Para Espinoza, a
substância não possui causa fora de si, ela é causa de si mesma, ou seja, uma causa sui. Ela é singular a ponto de não poder ser concebida por outra coisa que não ela mesma. Por ser causa de si, a substância é totalmente independente, livre de qualquer outra coisa, pois sua existência basta-se em si mesma. Ou seja, a substância, para que o entendimento possa formar seu conceito, não precisa do conceito de outra coisa. A substância é absolutamente infinita, pois se não o fosse, precisaria ser limitada por outra substância da mesma natureza.
Pela proposição VI da Parte I da
Ética, ele afirma: "Uma substância não pode ser produzida por outra substância", portanto, não existe nada que limite a substância, sendo ela, então, infinita. Da mesma forma, a substância é indivisível, pois, do contrário, ao ser dividida ela, ou conservaria a natureza da substância primeira, ou não. Se conservasse, então uma substância formaria outra, o que é impossível de acordo com a proposição VI; se não conservasse, então a substância primeira perderia sua natureza, logo, deixaria de existir, o que é impossível pela proposição 7, a saber: "à natureza de uma substância, pertence o existir". Assim, a substância é indivisível.
Assim, sendo da natureza da substância absolutamente infinita existir e não podendo ser dividida, ela é única, ou seja, só há uma única substância absolutamente infinita ou Deus.
Apesar de ser denominado Deus, a substância de Espinoza é radicalmente diferente do Deus judaico-cristão, pois não tem vontade ou finalidade já que a substância não pode ser sem existir (se pudesse ser sem existir, haveria uma divisão e a substância seria limitada por outra, o que, para Espinoza, é absurdo, como foi explicado no parágrafo anterior). Consequentemente, o Deus de Espinoza não é alvo de
preces e menos ainda exigiria uma nova religião.
Baruch Espinoza viveu em um tempo onde recebeu diferentes influências, um tempo de transição, que marcava o início da
modernidade. O filósofo teve que ser cauteloso na exposição de seu pensamento, porque muitos de seus colegas sofreram perseguição e foram até mortos. Para Espinoza, Deus e a natureza são uma coisa só, não havendo distinção entre eles. Essa concepção exclui ideias
transcendentais e entra em choque com os que acreditam no
direito divino para os reis, bem como com
Direitos naturais hereditários. Seu caráter
Naturalista exclui a ideia
Dualista de que haveria uma maneira natural de como as coisas deveriam ser. Muitos pensadores acreditavam que as coisas deveriam ser da maneira que são pela vontade de Deus: essa é uma diferença importante no pensamento de Spinoza.
O filósofo começa a expor seu pensamento acerca da natureza humana no livro Tratado Teológico-político. Nele, o autor explica como acredita que funcionam as
economias dos
Afetos e
Desejos e de que maneira isso afeta como vivemos. No capítulo XVI/3, encontramos um exemplo: "O direito natural e cada homem definem-se, portanto, não pela razão sã, mas pelo desejo e pela potência". Ninguém, com efeito, está determinado a se comportar conforme as regras e as leis da razão; ao contrário, todos nascem ignorantes de todas as coisas e a maior parte de suas vidas transcorre antes que possam conhecer a verdadeira regra da vida e adquirir o estado de
virtude, mesmo que tenham sido bem educados. E eles não são menos obrigados a viver e a se conservar, nessa espera, pelo simples impulso do apetite, pois a natureza não lhes deu outra coisa, e lhes recusou a potência atual de viver conforme a reta razão; logo, considerando submetido apenas ao império da natureza, tudo o que um indivíduo julgar como lhe sendo útil, seja pela conduta da razão seja pela violência de suas paixões, é-lhe permitido desejar, em virtude desejar, em virtude de um soberano direito de natureza e tomar por qualquer via que seja, pela força, pela artimanha, por preces, enfim, por meio mais fácil que lhe pareça. Consequentemente, também ter por inimigo aquele que quiser impedi-lo de se satisfazer".
[7]
Mais adiante, Spinoza vai argumentar que o uso da
Razão viria a partir de um exercício, mas que ainda estamos longe de chegar lá devido às
Paixões. O autor disserta: "Mas falta muito para que todos se deixem facilmente se conduzir apenas pela razão; cada um se deixa levar por seu
prazer e, mais amiúde, a
avareza, a glória, a
inveja, o
ódio etc. ocupam a mente, de tal sorte que a razão não tem qualquer lugar".
[8]
No ano de sua morte, Spinoza termina um outro livro, que seria uma continuação do anterior, dando sequência a seus pensamentos e sua teoria. No
Tratado Político (Espinosa), título do novo livro, Espinosa também aborda, em diferentes momentos, a questão da natureza humana, bem como a força das paixões e os efeitos que elas produzem nos corpos. Logo no primeiro capítulo, o autor explica de que maneira ele tenta entender essas paixões e estudá-las, a fim de aplicá-las na sua teoria: "Quando, por conseguinte, apliquei o ânimo à política, não pretendi demonstrar com razões certas e indubitáveis, ou
deduzir da própria condição humana, algo que seja novo ou jamais ouvido, mas só aquilo que está mais de acordo com a prática. E, para investigar aquilo que respeita a esta ciência com a mesma liberdade de ânimo que é costume nas coisas
matemáticas, procurei escrupulosamente não rir, não chorar nem detestar as ações humanas, mas entendê-las. Assim não encarei os afetos humanos, como são o amor, o ódio, a ira, a inveja, a glória, a
misericórdia e as restantes comoções do ânimo, como
vícios da natureza humana, mas como propriedades que lhe pertencem, tanto como o calor, o frio, a tempestade, o
trovão e outros fenômenos do mesmo gênero que pertencem à natureza do ar, os quais, embora sejam incômodos, são contudo necessários e têm causas certas mediante as quais tentamos entender sua natureza".
[9]
O autor expõe seu pensamento com clareza acerca da sua discordância com o pensamento comum da época. Explicando o porquê de não acreditar que as pessoas agem exclusivamente através da razão: "Depois, na medida em que cada coisa se esforça, tanto quanto esta em si, por conservar o seu ser, não podemos de forma alguma duvidar de que, se estivesse tanto em nosso poder vivermos segundo os preceitos da razão como conduzidos pelo
desejo cego, todos se conduziriam pela razão e organizaram sabiamente a vida, o que não acontece minimamente, pois cada um é arrastado pelo seu prazer".
[10] Para o filósofo, as pessoas não se submetem ao
estado por uma
análise racional, mas por uma economia de seus desejos, sejam eles
medo ou
esperança. São as paixões que, em acordo com outras Paixões, encontram vontades comuns que permitem que as pessoas se agrupem em "estados" e, assim, se submetam de alguma maneira a algum
sistema. Seja ele
monárquico aristocrático ou
democrático. "Longe de ser fruto de uma ruptura com a natureza, o estado forma-se no âmbito desta, mediante a dinâmica afetiva, ou passional, que associa ou põe em confronto os indivíduos". "Por isso também, a essência do político é impossível de se confundir com uma qualquer
moldura racional de onde e no interior da qual as
normas de conduta fossem deduzidas, de modo a imporem-se como condição necessária e legítima da paz e da estabilidade".
[11]
Observamos que Spinoza defende uma espécie de sistema econômico de gerenciamento dos afetos, tanto por parte dos súditos, como do
Soberano. Esse gerenciamento é
subjetivo, e acontece individualmente, com efeitos no coletivo. Cabe, aos súditos, sentirem sua
Potência, a fim de preservar sua vida, e maximizar sua liberdade, bem como o soberano de não impor sistema rígido demais que encurrale seus súditos a ponto de que esses se rebelem. O estado mais "racional", é aquele que consegue entender as demandas da sua população, e promover uma espécie de
bem-estar. A paz imposta pelo medo, como ausência de
guerra, é sempre temporária. O bem-estar de todos é o que ajuda a manter o estado coeso. Esse sistema é precário, e está sempre sujeito a avaliações e adequações para melhor atender a todos, defendendo, assim, até a manutenção do estado pelo soberano. Spinoza entende o estado como a potência da
Multidão, e define, no TP 2/17, os sistemas políticos que podem constituir esse estado. O autor esclarece: "Detém–no absolutamente quem, por
consenso comum, tem a incumbência da república, ou seja, de estatuir, interpretar e abolir
direitos, fortificar as
urbes, decidir sobre guerra e paz etc. E se esta incumbência pertencer a um conselho que é composto pela multidão comum, então o estado chama–se
Democracia; mas se for composto só por alguns eleitos, chama–se
Aristocracia; e se finalmente, a incumbência da
República e por conseguinte, o estado, estiver nas mãos de um só, então chama–se
Monarquia".
[12] Com isso, podemos concluir o pensamento de Spinoza e entender como a
Natureza age sobre as e através das potências de todos e como isso influencia o estado e o sistema político.
Os corpos se individualizam em razão do "movimento e do repouso", da "velocidade e lentidão" e não em função de alguma substância particular (escólio 1 da proposição 13 da parte 2 da Ética), e a identidade individual através do tempo e da mudança consiste na manutenção de uma determinada proporção de movimento e repouso das partes do corpo (proposição 13 da parte 2 da Ética). O corpo humano é um complexo de corpos individuais, e é capaz de manter suas proporções de movimento e de repouso ao passar por uma ampla variedade de modificações impostas pelo movimento e repouso de outros corpos. Essas modificações são o que Espinoza chama de "afecções".
[13]
Uma afecção que aumenta a capacidade do corpo de manter suas proporções características de movimento e repouso aumenta a "potência de agir" e tem, em paralelo, na mente, uma modificação que aumenta a "potência de pensar". A passagem de uma potência menor para uma maior é o "afeto de alegria" (definição dos afetos, parte 2 da Ética). Uma afecção que diminui a potência do corpo de manter as proporções de movimento e repouso diminui a potência de agir e tem, em paralelo, na mente, uma diminuição da potência de pensar. A passagem de uma potência maior para uma menor é o "afeto de tristeza". Já uma afecção que ultrapassa as proporções de movimento e repouso dos corpos que compõe o corpo humano destrói o corpo humano e a mente (morte).
Os indivíduos (
mentes e corpos) se esforçam em perseverar em sua existência tanto quanto podem (proposição 6 da parte 3 da Ética). Eles sempre se esforçam para ter
alegria, isto é, um aumento de sua potência de agir e de pensar, e eles sempre se opõem ao que lhes causa
tristeza, ou seja, aquilo que diminui sua capacidade de manter as proporções de movimento e repouso características de seu corpo. O esforço por manter e aumentar a potência de agir do corpo e de pensar da mente é o que Espinoza chama de "desejo" (conatus).
Não é por julgarmos uma coisa boa que nos esforçamos por ela, que a queremos, que a apetecemos, que a desejamos, mas, ao contrário, é por nos esforçarmos por ela, por querê-la, por apetecê-la, por desejá-la, que a julgamos boa.
– Espinoza, Ética, parte 3, proposição 9 esc.
As afecções que são atribuídas à "ação" do corpo humano testemunham o aumento de sua potência de agir e de pensar e, por isso, o afeto de alegria sempre impulsiona a atividade. Em contraste, as afecções que diminuem a potência de agir e de pensar (provocando tristeza) testemunham sempre a passividade do corpo humano, são sempre passivas, são "paixões" (do
grego pathos, "sofrer uma ação").
Para Espinoza, a ilusão dos homens de que suas ações resultam de uma livre decisão da mente é consequência de eles serem conscientes apenas de suas ações enquanto ignoram as causas pelas quais são determinados, o que faz com que suas ações sejam determinadas pelas paixões. Isso é o que ele chama de "primeiro gênero de conhecimento", "imaginação" ou "ideias inadequadas" (a consciência de nossos afetos, e a inconsciência do que os determina). O "segundo gênero de conhecimento" são as "noções comuns" ou "ideias adequadas", que se caraterizam pela consciência do que nos determina a agir. As ideias adequadas sempre são efeitos da alegria, acarretam alegria e impulsionam a atividade, enquanto a imaginação (ideias inadequadas) se caracteriza pela passividade e pelo acaso de causar ou ser efeito da alegria ou da tristeza.
[...] uma criancinha acredita apetecer, livremente, o leite; um menino furioso, a
vingança; e o intimidado, a fuga. Um homem
embriagado também acredita que é pela livre decisão de sua mente que fala aquilo sobre o qual, mais tarde, já sóbrio, preferiria ter calado. Igualmente, o homem que diz
loucuras, a mulher que fala demais, a criança e muitos outros do mesmo gênero acreditam que assim se expressam por uma livre decisão da mente, quando, na verdade, não são capazes de conter o impulso que os leva a falar. Assim, a própria experiência ensina, não menos claramente que a razão, que os homens se julgam livres apenas porque são conscientes de suas ações, mas desconhecem as causas pelas quais são determinados. Ensina também que as decisões da mente nada mais são do que os próprios apetites: elas variam, portanto, de acordo com a variável disposição do corpo. Assim, cada um regula tudo de acordo com o seu próprio afeto e, além disso, aqueles que são afligidos por afetos opostos não sabem o que querem, enquanto aqueles que não têm nenhum afeto são, pelo menor impulso, arrastados de um lado para outro. Sem dúvida, tudo isso mostra claramente que tanto a decisão da mente, quanto o apetite e a determinação do corpo são, por natureza, coisas simultâneas, ou melhor, são uma só e mesma coisa, que chamamos decisão quando considerada sob o atributo do pensamento e explicada por si mesma, e determinação, quando considerada sob o atributo da extensão e deduzida das leis do movimento e do repouso [...]
– Spinoza, Ética, parte 3, proposição 2 esc.
A grande inovação da ética de Espinoza foi que, nela, a razão não se opõe aos afetos, pelo contrário, a própria razão é um afeto, um desejo de encontrar ou criar as oportunidades de alegria na vida e de evitar ou desfazer ao máximo as circunstâncias que causam tristeza, mas o próprio desejo-razão (do mesmo modo que os outros tipos de afetos) não depende da vontade livre, mas de afecções que fogem ao controle do indivíduo porque são modos da substância única infinita, que não tem finalidade nem providência. Em diversas obras,
[14][15] Espinoza diz que é nocivo (diminui nossa potência de agir e de pensar) ridicularizar ou reprovar alguém dominado pelas paixões, porque isso não depende da livre decisão da mente. O único modo do homem que se guia pela razão ajudar os outros é, nas palavras de Espinoza:
Não rir nem chorar, mas compreender.
– Espinoza, Tratado Político
A
ética de Espinoza é a ética da alegria. Para ele, só a alegria é boa, unicamente a alegria nos leva ao
amor (que ele define como a ideia de alegria associada a uma causa exterior) no cotidiano e na convivência com os outros, enquanto a tristeza sempre é má, intrinsecamente relacionada ao ódio (que ele define como a ideia de tristeza associada a uma causa exterior), a tristeza sempre é destrutiva para nós e para os outros.
Além dos dois gêneros citados anteriormente, Espinoza afirma ainda um terceiro, chamado beatitude. Esse conhecimento se caracteriza por compreender, nas coisas singulares, o aspecto da eternidade (sub specie aeternitatis). Seria algo como ver as coisas singulares como inseparáveis dos modos da substância infinita e eterna (Deus), compreendendo que as coisas singulares são elas mesmas eternas, existindo fora do tempo. Esse é um dos conceitos de Espinoza mais controversos e discutidos.
[16]
No Brasil, Bader Burihan Sawaia trouxe a influência de Espinoza para a Psicologia Sócio-Histórica, enfatizando, em bases materialistas-dialéticas a importância da afetividade como categoria fundamental do psiquismo.
[17]
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↑ A forma Espinoza e Spinoza também é utilizada.
↑
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Spinoza Opera Edição de Carl Gebhardt (1925) das obras de Espinoza em língua original (PDF).
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